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sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Síntese Estudos da CNBB 104 - “Comunidades de comunidade: uma nova paróquia” - 1ª parte

APRESENTAÇÃO DO TEXTO DE ESTUDO

“Ensinai-lhes a observar tudo o que vos tenho ordenado” (Mt 28,20).
O Primeiro Capítulo deste texto de estudo afirma a urgência de enraizar a Palavra de Deus na experiência das comunidades cristãs. O Segundo Capítulo nos ajuda a compreender como, ao longo da história, a comunidade paroquial se consolidou, com maior ou menor êxito, como “Igreja Doméstica”, que deveria sempre zelar tanto pelo culto quanto pela comunhão, pelo serviço, pelo testemunho e pelo anúncio da Boa-nova. O Terceiro Capítulo nos apresenta os desafios atuais nascidos de uma mudança de época.
O Quarto Capítulo delineia alguns traços fundamentais da identidade de uma verdadeira comunidade cristã. Recorda a necessária integração das diversas experiências de comunidade na comunidade paroquial e no compromisso com o planejamento conjunto da ação pastoral.
Esperançoso de que tudo isso se torne realidade, e não apenas um sonho a se realizar compartilho convosco os por menores deste estudo.

INTRODUÇÃO
O documento de Aparecida (370) diz que devemos “ultrapassar uma pastoral de mera conservação para assumir uma pastoral decididamente missionária”. Para isso é preciso transformar a estrutura da paróquia numa comunidade de comunidades, que representa um retorno à raiz evangélica bem anterior à estrutura paroquial. Para transformarmos a paróquia em comunidade de comunidades, o modelo é o próprio Jesus e a sua maneira de organizar a vida em comunidade em vista do Reino de Deus.

CAPITULO I PERSPECTIVA BíBLICA
Toda a comunidade cristã encontra sua inspiração naquelas comunidades que o próprio Jesus Cristo fundou por meio dos apóstolos, na força do Espírito Santo.
Recuperar a comunidade-No antigo Israel, a comunidade, era a base social, ambiente concreto de encarnar o amor de Deus no amor ao próximo. No tempo de Jesus devido ao sistema da religião imperial, a vida comunitária estava se desintegrando. Muitas pessoas ficavam sem ajuda e sem defesa, como as viúvas, os órfãos, os pobres (cf. Mt 9,36).
A nova experiência de Deus: o Abbá- Jesus dizia: “Quem me viu, tem visto o Pai” (Jo 14,9). Ele revelava um novo rosto de Deus sendo o portador da grande Boa- Nova para todos os seres humanos, sobretudo para os pobres.
A missão do Messias- Jesus, quando batizado no rio Jordão (cf. Mc 1,9) tem revelada a sua missão de ser o servo enviado de Deus: “Tu és o meu filho amado; em ti está o meu agrado” (Mc 1,11; Mt 3,16- 17; Lc 3,21- 22 e Is 42,1). A partir daquele momento, Jesus passou a se identificar com a missão do servo de Deus, anunciado por Isaías: “Pois o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por muitos” (Mc 10,45), “anunciar a boa- nova aos pobres, proclamar a libertação aos presos e, aos cegos, a recuperação da vista; para dar liberdade aos oprimidos e proclamar um ano aceito da parte do Senhor” (Lc 4,18- 19). Por ter sido fiel a essa missão, recebida do Pai, Jesus era amado pelos pobres, mas perseguido e caluniado pelos poderosos que, por fim, decidiram matá-lo (cf. Mc 3,6).
A novidade do reino- Ao redor de Jesus, começou a nascer uma pequena comunidade (cf. Mc 1,16- 20; 3,14) em que:
a) todos são irmãos (Mt 23,8);
b) há igualdade entre homem e mulher (cf. Mt 19,7- 12). As mulheres “seguem” Jesus desde a Galileia (cf. Mc 15,41; Lc 23,49); (Jo 4,26); (Mc 16,9- 10; Jo 20,17);
c) há partilha dos bens; (cf. Mc 10,28; Mt 8,20). Havia uma caixa comum que era partilhada, também, com os pobres (cf. Jo 13,29). Nas viagens o discípulo deveria confiar no povo que o acolhesse e dependeria da partilha que receberia (cf. Lc 10,7);
d) relacionam- se como amigos e não como empregados.(Jo 15,15);
e) o poder é exercido como serviço. (Lc 22,25- 26; Mc 10,44). Jesus deu o exemplo (cf. Jo 13,15). “Não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por muitos” (Mt 20,28);
f) é dado o poder de perdoar e reconciliar. Esse poder foi dado a Pedro (cf. Mt 16,19), aos apóstolos (cf. Jo 20,23) e às comunidades (cf. Mt 18,18). O perdão de Deus passa pela comunidade, que é lugar de perdão e de reconciliação e não de mútua condenação;
g) se faz a oração em comum. Eles iam juntos em romaria ao Templo (cf. Jo 2,13; 7,14; 10,22- 23), rezavam antes das refeições (cf. Mc 6,41; Lc 24,30). Em grupos menores, Jesus se retirava com eles para rezar (cf. Lc 9,28; Mt 26,36- 37); h) se vive a Alegria. (Lc 10,20; Lc 10,23- 24; Lc 6,20; Jo 16,20- 22).
Um novo estilo de vida comunitária - Jesus deu quatro recomendações para a vida comunitária (cf. Lc 10,1- 9):
a) Hospitalidade. (cf. Lc 9,4; 10,5- 6; Mt 10,9- 10; Lc 10,5);
b) Partilha (Lc 10,7).
c) Comunhão de mesa (Lc 10,8; cf. Mt 23,15);
d) Acolhida aos excluídos. (cf. Lc 10,9; Mt 10,8)
Sendo essas recomendações atendidas, os discípulos poderiam proclamar: “O Reino chegou!” (Lc 10,1- 12; 9,1- 6; Mc 6,7- 13; Mt 10,6- 16). O Reino implica uma nova maneira de viver e de conviver, nascida da Boa-Nova que Jesus anunciou.
O novo modo de ser pastor - Jesus como o Bom Pastor (cf. Jo 10,11) acolhia o povo, sobretudo os pobres (cf. Mc 6,34; Mt 11,28- 29). Seu agir revela um novo jeito de cuidar das pessoas. Jesus recupera a dimensão caseira da fé. Entrou na casa de Pedro (cf. Mt 8,14), de Mateus (cf. Mt 9,10), de Zaqueu (cf. Lc 19,5). O povo procurava Jesus na sua casa (cf. Mt 9,28; Mc 1,33). Quando ia a Jerusalém, Jesus parava em Betânia, na casa de Marta, Maria e Lázaro (cf. Jo 11,3). Ao enviar os discípulos, deu-lhes a missão de entrar nas casas do povo e levar a paz (cf. Mt 10,12- 14). Jesus vai ao encontro das pessoas através da prática do acolhimento (Mt 11,28). Ele tem um cuidado especial para com os doentes (cf. Mc 1,32), considerados como quem recebe um castigo divino e, por isso eram afastados do convívio social, vivendo de esmola. Jesus toca- os para curá-los tanto da doença como da exclusão. (Mc 1,45). Jesus não exclui ninguém. Oferece um lugar aos que não tinham lugar na convivência humana. (Mt 21,31- 32; Lc 7,2- 10; Mt 8,2- 4; Mc 1,32; Lc 18,9- 14; Mt 5,3).
O ensinamento novo- A pregação de Jesus era muito ligada ao cotidiano das pessoas. (cf. Mc 1,14- 15; Mc 2,13). O povo gostava de ouvi-lo, ficava admirado (cf. Mc 12,37). Por isso, o povo percebeu “um ensinamento novo com autoridade” (Mc 1,27). Sua própria vida era o testemunho eloquente do que ensinava.
A nova páscoa - O Reino de Deus, demonstrado na pregação, nos milagres e na comunhão com os pobres, os doentes e os pecadores, provocou resistências no caminho de Jesus: (cf. Mc 8,31; cf. Mt 27,31; Mc 14,64). Na hora da crucificação, os discípulos abandonaram Jesus e fugiram (cf. Mc 14,50). Naquele momento do Gólgota, a pequena comunidade estava dispersa (cf. Mt 26,56). Na manhã de Páscoa, a comunidade dos discípulos fez a experiência do encontro com Jesus ressuscitado (cf. Lc 24,1- 8) que confere aos discípulos o dom da paz (cf. Jo 20,21). para o perdão dos pecados (cf. Jo 20,22- 23). Na Páscoa de Jesus, a morte foi vencida (cf. Jo 3,36; Jo 20,30).
Pentecostes: o novo povo de Deus - Após a ressurreição, Jesus Cristo transmite aos apóstolos a promessa do Pai, o Espírito Santo, que concede diversos carismas que acompanham o verdadeiro anúncio evangélico e guia as decisões fundamentais da Igreja para ser uma comunidade evangelizadora (cf. At 8,29- 39; At 5,28; At 13,2- 3). Aqueles que são conduzidos pelo Espírito (cf. Rm 8,14) são filhos de Deus que realizam no cotidiano sua dignidade divina (cf. Rm 8,4). O comportamento filial do cristão é fruto do Espírito (cf. 1Ts 2,11- 12; At 1,8).
A nova comunidade cristã - Nos Atos dos Apóstolos, Lucas propõe a inspiração para toda a comunidade cristã, partindo de quatro colunas básicas:
a) o ensinamento dos apóstolos: (cf. 1Ts 2,13);
b) a comunhão: (cf. At 2,44- 45; 4,32; 34- 35). O ideal da comunhão era chegar a uma partilha não só dos bens, mas também dos sentimentos e da experiência de vida, a uma convivência que supere as barreiras (cf. Gl 3,28; Cl 3,11; 1Cor 12,13), a ponto de todos se tornarem um só coração e uma só alma (cf. At 4,32; 1,14; 2,46);
c) a fração do pão (eucaristia): (cf. Jo 6,11). Lembrava o gesto que abriu os olhos dos discípulos de Emaús (cf. Lc 24,30- 35). A fração do pão era feita nas casas (cf. At 2,46; 20,7);
d) as orações: (cf. At 5,12b), que fortaleciam na hora das perseguições (cf. At 4,23- 31). Faziam como Jesus que, pela oração, enfrentava a tentação (cf. Mc 14,32).
A missão - As testemunhas pascais recebem o mandato missionário do próprio Senhor (cf. Rm 5,6- 8) e eram estimados por todo povo e a cada dia o Senhor acrescentava a seu número mais pessoas que seriam salvas (cf. At 2,47). Os discípulos de Jesus são reconhecidos por viverem em comunhão (cf. Jo 13,34). Assim, comunhão e missão estão profundamente unidas.
A nova esperança: a comunidade eterna - Assistida pelo Espírito de Jesus Cristo, a comunidade cristã caminha rumo à Pátria Trinitária (cf. Fl 3,20). (cf. 2Pd 3,13). O mais antigo escrito no Novo Testamento é a Primeira Carta de São Paulo aos Tessalonicenses que convoca a comunidade cristã a perseverar vigilante na vinda de Cristo para plenificar a história (cf. 1Ts 4,13- 18).
Essa expectativa é marcada por uma tensão entre o seguimento de Jesus Cristo no cotidiano e a certeza de sua vinda na glória. Assim, a comunidade não vive no espiritualismo descompromissado com a realidade nem atua no mundo sem a garantia de uma promessa que transcende o tempo. Como filhos do dia, os cristãos não devem andar nas trevas, esperando o grande dia do Senhor Jesus (cf. 1Ts 5,4- 7).
Cada comunidade cristã é testemunha e anunciadora dessa realidade futura, atualizando através dos séculos a mensagem e a esperança de Cristo. A Igreja, esposa de Cristo, vive da certeza de que um dia habitará na tenda divina, na casa da Trindade, numa Aliança nova e eterna com Deus (cf. Ap 21,2- 5). A Igreja brota da Trindade e é nesta perspectiva trinitária que ela fundamenta sua vida comunitária (1Cor 15,28; Ef 1,10).

CAPITULO II PERSPECTIVA TEOLÓGICA
Na base da experiência comunitária, proposta da experiência da “comunhão”. (Mc 3,14), inspirada na própria Santíssima Trindade, a perfeita comunidade de amor.

2.1. VÁRIAS FORMAS DE ORGANIZAR A IGREJA
A Igreja Doméstica - O Novo Testamento permite identificar os cristãos como peregrinos e, ao mesmo tempo, os seguidores do caminho (cf. At 16,17). Assim a Igreja, comunidade de fiéis, é integrada por estrangeiros (cf. Ef 2,19), pelos que estão depassagem (1Pd 1,7) ou, ainda, pelos imigrantes (1Pd 2,11) ou peregrinos (Hb 11,13). Sempre indicando que o cristão não está em sua pátria definitiva (cf. Hb 13,14), que deve se comportar como quem se encontra fora da pátria (cf. 1Pd 1,17). A paróquia, desse modo, é uma “estação” onde se vive de forma provisória, pois o cristão é caminheiro.
Ele segue o caminho da salvação (cf. At 16,17). As primeiras comunidades cristãs, entretanto, não são conhecidas como paróquias. São Paulo prefere usar a expressão Igreja Doméstica sendo que as casas serviam de local de acolhida dos fiéis para ouvir a Palavra, repartir o pão e viver a caridade que Jesus ensinou.
No tempo das primeiras pregações do cristianismo, a civilização urbana se expandia e as cidades promoviam uma revolução social e cultural. Paulo apóstolo funda, então, comunidades nas cidades mais importantes do Império. Isso implica entrar na nova organização social que emergia e, assim, modificava o estilo predominantemente rural de ser comunidade a partir da experiência da Palestina.
Dessa forma, cresce uma rede de comunidades cristãs urbanas. Enquanto as comunidades do cristianismo palestinense eram profundamente itinerantes, a proposta de Paulo passa para um cristianismo que se fixa por um tempo maior, diferente da realidade rural que obrigava as pessoas a migrarem sempre que havia seca ou findavam as pastagens para os rebanhos.
O surgimento das paróquias - Quando, em Roma, o cristianismo adquiriu a forma de uma organização central, este começou a influenciar as Igrejas Domésticas. Com o crescimento do número de cristãos as assembleias cristãs tornam- se cada vez mais numerosas e, por isso, anônimas, com relações frias e distantes. A antiga relação igreja- casa se enfraquece e se faz a introdução das paróquias territoriais.
A partir do século IV aparece, de um lado, a diocese e, de outro, a paróquia. As paróquias surgiram, portanto, da expansão missionária da Igreja nos pequenos povoados que rodeavam as cidades. Nascem de uma preocupação pastoral e missionária. Haverá paróquias grandes e pequenas, de acordo com o tamanho das cidades. O Concílio de Trento, no ano de 1563, insistiu que o pároco resida na paróquia. Estabeleceu os critérios de territorialidade da paróquia, modelo chegou até nossos dias.
2.3. A PARÓQUIA NO CONCÍLIO VATICANO II
O Concílio Vaticano II não tem um documento ou uma parte específica sobre a paróquia, contudo, apresenta uma chave de leitura muito importante: a Igreja Particular (Diocese). A Igreja, que prolonga a missão de Jesus, há de ser compreendida primeiramente como comunhão, pois sua raiz última é o mistério insondável do Pai que, por Cristo e no Espírito (experiência comunitária a partir da comunidade perfeita do amor, a Trindade), quer que todos os homens e todas as mulheres participem de sua vida de infinita e eterna comunhão, na liberdade e no amor, vivendo como filhos e filhas, irmãos e irmãs.
A Igreja tem sua origem na Santíssima Trindade. Na história ela se espelha na comunhão trinitária, e seu destino é a comunhão definitiva com o Deus Uno e Trino. Para realizar sua missão, no mundo, a Igreja precisa de uma constituição estável, que há de ter por base a “comunhão”, característica necessária a todas as formas de organização da vida eclesial.
A renovação paroquial na América Latina e no Caribe - É urgente a renovação das estruturas paroquiais para que sejam redes de comunidades capazes de propiciar aos seus membros uma real experiência de comunhão com Cristo. A “renovação das paróquias no início do terceiro milênio exige a reformulação de suas estruturas para que seja uma rede de comunidades e grupos capazes de se articular, conseguindo que os participantes se sintam realmente discípulos e missionários de Jesus Cristo em comunhão”. A comunidade paroquial não pode ser uma superestrutura formal e vazia, mas um todo orgânico que envolve os diversos aspectos da vida. Por isso, independente das inúmeras dificuldades, é urgente que a paróquia se torne, cada vez mais, comunidade de comunidades vivas e dinâmicas de discípulos missionários de Jesus Cristo.
A paróquia como casa - Atualmente, há falta de pertença e até de deserto espiritual que reclama uma casa de acolhida em meio às dificuldades. A paróquia pode e deve ser essa casa, local onde se ouve a convocação feita por Deus, em Cristo, para que todos sejam um e vivam como irmãos. a grande família de Deus, a família dos que “ouvem a Palavra de Deus e a põem em prática” (Lc 8,21). Paróquia compreendida como casa significa a comunidade- igreja, construída por pedras vivas (cf. 1Pd 2,5), e serve de inspiração para viver a unidade cristã.
Casa da Palavra - A paróquia é a casa da Palavra (cf. Jo 1,14). Como ‘casa da Palavra’, deve-se, antes de tudo, dar atenção à Liturgia sagrada. - Casa do pão - A Igreja se nutre com o pão do corpo de Cristo. A Eucaristia é fonte inesgotável da vocação cristã e do seu impulso missionário. A partir da Eucaristia, cada paróquia chegará a concretizar, em sinais solidários, o seu compromisso social pela prática da caridade. Deus fez a sua morada entre nós (cf. Jo 1,14), nasceu em Belém, a “casa do pão” A comunidade cristã vive da Eucaristia, que une a comunidade pelo Espírito Santo, em Cristo, para chegar ao Pai.
Casa da caridade (ágape) - Na Palavra e na Eucaristia, o cristão vive a dimensão do amor como ágape. Biblicamente, o vocábulo amizade se refere ao amor. O próprio Senhor disse que “ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos” (Jo 15,13). A amizade torna-se, então, expressão do ágape, o centro da charitascristã. Essa amizade se traduz em compaixão pelos que sofrem; assim, nasce a missão.
A paróquia hoje - A paróquia é um instrumento importante para a construção da identidade cristã. É verdade que a origem da paróquia é marcada por um contexto cultural muito diferente do atual. Por isso a paróquia está desafiada a se renovar diante das mudanças de nosso tempo. Em vista da urgência de uma nova evangelização. Sendo instância de acolhimento, a paróquia é o espaço para receber diferentes pessoas, com suas buscas e vivências, que pretendem seguir o caminho. Enquanto espaço da comunidade o sentido da comunhão é indispensável. De igual modo, é preciso reafirmar que, teologicamente, o fundamento da paróquia é ser uma comunidade eucarística, que celebra a presença de Cristo Palavra e Eucaristia, estabelecendo os vínculos de comunhão entre os seus fiéis e remete todos à missão de testemunhar na caridade a verdade professada.

CAPITULO III NOVOS CONTEXTOS: DESAFIOS A PARÓQUIA
O discípulo missionário sabe que, para efetivamente anunciar o Evangelho, deve conhecer a realidade à sua volta e nela mergulhar com o olhar da fé, em atitude de discernimento.
Há muitos anos, a Igreja no Brasil intensifica seus esforços para que a paróquia supere os entraves que a impedem de ser missionária. Há paróquias que continuam a concentrar suas atividades principais na liturgia sacramental e nas devoções. Falta-lhes um plano pastoral e a responsabilidade da comunidade concentram-se, exclusivamente, no pároco, não permitindo que os leigos tomem decisões nem assumam compromissos.
Não há uma preocupação missionária Por outro lado, muitas comunidades e paróquias desenvolvem uma liturgia viva e participativa; preocupam-se e atuam com os jovens; despertam muitos serviços e ministérios entre os leigos; têm conselho pastoral e conselho de assuntos econômicos. Nelas, os párocos e seus colaboradores, homens e mulheres, desenvolvem uma pastoral de comunhão e participação. Considerando os três âmbitos da ação evangelizadora, é importante identificar os aspectos da pessoa, da comunidade e da sociedade que importam na renovação paroquial..
3.1. Desafios no âmbito da pessoa - A pessoa vive numa sociedade consumista que afeta sua identidade pessoal e sua liberdade. Acentua-se o egoísmo que desenraíza o indivíduo da comunidade e da sociedade. A vivência da fé, diante do individualismo, é exercida numa religiosidade não institucional e sem comunidade, mais ligada aos interesses de cada pessoa. Isso afeta diretamente a dimensão comunitária da paróquia. Torna-se difícil a vivência cristã quando a pessoa se recusa a se engajar na comunidade ou quando espera apenas resultados imediatos da religião.
a) Intimismo religioso - Não é fácil pensar e viabilizar a paróquia como comunidade de comunidades numa sociedade fragmentada e individualista. As experiências religiosas visam ao sentimentalismo e ao bem-estar. Muitos vivem sua religiosidade frequentando templos sem nenhuma ligação de fraternidade, e outros se conectam apenas pelas mídias. O que conta, para muitas pessoas, é viver o aqui e o agora.
b) Mudanças na família - Muitos casais têm dificuldade de se unirem na fidelidade e no amor, especialmente porque alguns apregoam que o mais importante é ser feliz sem pensar nos demais: amor sem compromisso. Em nossas paróquias participam pessoas unidas sem o vínculo sacramental, outras estão numa segunda união, e há aquelas que vivem sozinhas sustentando os filhos. Outras configurações também aparecem, como avós que criam netos ou tios que sustentam sobrinhos. Crianças são adotadas por pessoas solteiras ou por pessoas do mesmo sexo que vivem em união estável.A Igreja, família de Cristo, precisa acolher com amor todos os seus filhos. Sem esquecer os ensinamentos cristãos sobre a família, é preciso usar de misericórdia. É hora de recordar que o Senhor não abandona ninguém e que, também, a Igreja quer ser solidária nas dificuldades da família.
3.2. Desafios na comunidade - Há diversas concepções sobre o termo comunidade na cultura atual. Especialmente os jovens preferem as comunidades virtuais para se relacionar. Essa realidade implica a revisão da ação pastoral da paróquia. As comunidades primitivas viviam da experiência do encontro com Jesus Cristo que determinava o estilo de vida da comunidade e acabava atraindo novos cristãos. Por isso, o espaço físico não era o mais importante, mas, sim, a alegria dos irmãos por estarem unidos na mesma experiência que determina o espaço da fé.
a) A nova territorialidade: do físico ao ambiental - Hoje, o território físico não é mais importante que o território das relações sociais. O ser humano atual vive marcado pela mobilidade e pelo dinamismo de suas relações. Assim a paróquia, sem prescindir do território, é muito mais o local onde a pessoa vive sua fé, compartilhando com outras pessoas a mesma experiência. O referencial mais importante é o sentido de pertença à comunidade e não tanto o território. Por isso, alguém pode participar de uma paróquia que não seja a do bairro onde reside. Vive-se numa sociedade onde as relações se estabelecem por afinidades e não por territorialidade. O fato de não depender mais do território não diminui a importância do lugar da paróquia como referencial de vivência comunitária da fé. É na comunidade que se constrói a identidade comum e é lá onde crescem os vínculos de convivência. É um lugar de construção comunitária da experiência cristã. Mas é necessário ampliar o conceito para não reduzi-lo a um espaço demarcado e estabilizado. Mesmo situada, a paróquia ultrapassa suas fronteiras em diversos sentidos.
b) Estruturas obsoletas na pastoral - A renovação paroquial exige novas formas de evangelizar tanto o meio urbano como o rural. É urgente pensar novas estruturas pastorais, inclusive em meios rurais, de modo que cuidem das pessoas na atual cultura. Há excesso de burocracia e falta de acolhida em muitas secretarias paroquiais. A administração paroquial, muitas vezes, reduz a função dos presbíteros a administradores da paróquia. Não basta multiplicar ministérios para administrar os sacramentos. Nossas paróquias precisam urgentemente rever questões, como: dar atendimento aos doentes, aos solitários, aos enlutados, aos deprimidos e dependentes químicos. Para que isso aconteça é necessário o efetivo desenvolvimento dos serviços e dos ministérios dos leigos. A evangelização depende muito de uma conversão profunda das pessoas e das comunidades para Cristo, o que é obra da graça, em primeiro lugar.
c) Entre o relativismo e o fundamentalismo - Relativismo e fundamentalismo são sintomas de desenraizamento e fechamento em relação à comunidade. Não raras vezes entende-se a comunidade mais como uma reunião de pessoas para realizar tarefas, compromissos ou serviços religiosos, do que uma comunidade que vive um encontro pessoal com Jesus e se une para uma conversão contínua. Para muitos, a paróquia é vista apenas como uma prestadora de serviços religiosos, um lugar para viver uma espiritualidade sem compromisso ético ou simples cumprimento de preceitos religiosos. O relativismo leva as pessoas a não distinguirem mais o certo do errado, pois tudo é relativo ao entendimento de cada pessoa. Tal realidade provoca o risco de perder o sentido do pecado e da necessidade do Sacramento da Reconciliação. Por outro lado, cresce uma postura mais fundamentalista “que impede de perceber o outro como diferente”.
3.3. Desafios da sociedade - Os índices de pobreza e miséria continuam a desafiar qualquer consciência tranquila. O consumismo e o utilitarismo nas relações sociais deterioram as possibilidades de fraternidade porque geram exclusão e reduzem o ser humano ao valor de mercado. Diminui o interesse pelo bem comum e o compromisso solidário. Não raras vezes, os pobres são considerados supérfluos e descartáveis. Para não perder sua essência, a fé cristã precisa ocupar-se da história, porque nela se realiza a abertura do ser humano para a transcendência. Nesse encontro entre o visível e o invisível, o humano encontra o sentido, a cura e a salvação de toda sua existência. Ainda que a sociedade moderna seja prisioneira do consumismo e do utilitarismo, a Igreja há de se orientar por valores baseados numa sociedade onde a civilização do amor encontre seu espaço e novas oportunidades.
a) A sociedade pós- cristã - Há uma forte tendência no mundo de não se buscar mais o verdadeiro, mas o desejável. Por isso, cresce uma cultura do imediatismo. Nessa sociedade de contrastes, a paróquia, as comunidades e os cristãos precisam rever a forma como comunicam sua fé publicamente.
b) O pluralismo cultural - Diferentes formas de viver e pensar convivem em nossa cultura. O pluralismo nem sempre respeita o outro, e seu exagero pode gerar o indiferentismo. Alguns fiéis católicos frequentam outros cultos e centros religiosos, buscando conforto para suas dificuldades. A sociedade, em tempo de mudanças, é marcada pela instabilidade e pela mobilidade. Diante das incertezas e da carência das condições de vida, procuram soluções imediatas para os problemas do cotidiano.
3.4. A urgência da renovação paroquial - Aumentam as estatísticas daqueles que se declaram sem religião, embora tenham sido batizados na Igreja. Está em crise o sentimento de pertença à comunidade e o engajamento na paróquia. Afetivamente, há pessoas mais ligadas a expressões religiosas veiculadas por mídias católicas. Efetivamente, preferem colaborar economicamente com as campanhas televisivas do que participar do dízimo paroquial. Embora seja indispensável o trabalho de religiosos católicos nas mídias, entra em questão o vínculo e o pertencimento que essa nova modalidade de viver a fé possibilita.
Os desafios, portanto, são externos e internos à comunidade. De fora, sopram os ventos contrários do individualismo, do relativismo, do fundamentalismo, do pluralismo e das mudanças familiares. Internamente, somos desafiados a pôr em prática a conversão pastoral, enfrentando o problema da territorialidade paroquial e da manutenção de estruturas obsoletas à evangelização.

Texto. Pe Raimundo Santana
postado por: www.diocesecampomourao.com.br 

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